Brasileiros tentam rotas alternativas, e número de detidos na fronteira dos EUA atinge recorde histórico

Extraído de Brazilianpress.com

 Uma hora e meia depois, o motorista abriu as portas à beira da estrada e mandou que todos descessem e caminhassem por uma plantação. O guia que os esperava alertou que não corressem nem falassem alto para não atraírem os olhares e ouvidos de traficantes dos cartéis de droga, que costumam andar por ali. “Ele disseram para a gente não fazer bagunça porque aquela é terra de máfia, podem te sequestrar, roubar tudo o que você tem”, conta Lucas, que deu entrevista pedindo para não ter seu nome verdadeiro divulgado.

Apesar de perigoso, o caminho trilhado pelo pedreiro tem sido um dos favoritos dos milhares de brasileiros que, como ele, entraram nos EUA sem documentos nas últimas semanas. A rota mais usada até então, via a cidade mexicana de Juárez, na divisa com El Paso, no Texas, está perdendo adeptos por causa do muro alto e da fiscalização mais rigorosa.

Quem decide por onde atravessar, na verdade, não são os imigrantes, mas os coiotes, intermediários que cobram para levar as pessoas de forma irregular aos EUA. Eles costumam mudar os caminhos quando consideram que um deles fica manjado e também monitoram os melhores momentos para cruzar a divisa —até porque, geralmente, só recebem o pagamento depois que o imigrante está do outro lado da fronteira.

Mas não há garantias de sucesso e, muitas vezes, o trajeto não termina bem. Com as novas rotas, o número de brasileiros detidos na divisa entre México e EUA bateu mais um recorde em 2021, a maioria dos quais no Arizona e na Califórnia. Segundo dados do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês), foram 22.102 apreensões entre outubro de 2020 e maio de 2021.

Esse índice é parcial, deve aumentar —ainda restam quatro meses até o fim do chamado ano fiscal, em setembro— e tem preocupado autoridades do governo americano. Até agora, o recorde era de 2019, quando entre 18 mil e 22 mil brasileiros foram apreendidos ao tentar chegar aos EUA, grande parte via El Paso. Já neste ano fiscal, a maioria dos imigrantes do Brasil foi presa no Arizona: 13.509, o que representa 61% do total e cristaliza a mudança de rota. Outros 6.688 foram detidos na Califórnia (30%), enquanto o Texas registrou somente 1.333 detenções (6%).

Lucas, sua mulher e filho estão entre os que conseguiram entrar em território americano. Depois de pular uma cerca, a família se entregou à patrulha de fronteira, pediu asilo e, após dois dias em abrigos para imigrantes, dirigiu-se a uma cidade no estado de Connecticut, onde parentes e amigos já moram há alguns anos. É ali que o pedreiro tem trabalhado para pagar a dívida de US$ 15 mil (R$ 77 mil) que contraiu com o coiote, enquanto aguarda seu processo de asilo ser julgado. Na maioria dos casos, a resposta é negativa, já que poucos brasileiros conseguem provar que o motivo que os levou a deixar o país foi algum tipo de perseguição.

Segundo Lucas, a viagem saiu barata. “Agora estão cobrando US$ 18 mil, US$ 20 mil, porque está ficando mais difícil entrar”, conta. “Quem vem sozinho, sem criança, está ficando ‘agarrado’. Estão prendendo mesmo, está voltando uma galera.” Mesmo assim, com a possibilidade de ganhar em dólar neste momento em que a conversão está favorável em relação ao real, ele decidiu arriscar. “A vida aqui [nos EUA] é melhor. Tem muito trabalho, é mais fácil conseguir as coisas. Minha ideia é ficar uns cinco anos e, depois, voltar.”

Diplomatas e especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que nenhum trajeto para fazer a travessia entre México e EUA de forma irregular é seguro e que, de tempos em tempos, observam uma variação no roteiro de chegada dos imigrantes sem documento. Eles explicam que as mudanças no roteiro funcionam em uma espécie de efeito manada, quase sempre determinado pelos coiotes, como o fenômeno que acontece agora.

“Eles vão reinventando, renegociando os espaços, e isso é construído socialmente, porque uma pessoa fala para a outra”, afirma César Rossatto, professor da Universidade do Texas e cônsul honorário do Brasil. “Os coiotes detectaram que, nos últimos tempos, ficou mais difícil entrar por Juárez e El Paso, por causa da forte fiscalização e do muro alto, e aí começaram a desviar os imigrantes para outros pontos, principalmente via Mexicali, do lado do México, com saída também para Yuma, do lado dos EUA.”

A menos de 100 quilômetros de Mexicali, Yuma, no Arizona, tornou-se atrativa porque tem um muro mais baixo na divisa e grandes áreas desertas, com menos fiscalização. Mas menos patrulha não significa facilidade para a entrada —vide os mais de 13 mil brasileiros detidos por lá— e abre espaço para outros perigos que vão além da travessia dos rios e das altas temperaturas da região. “Os brasileiros não conhecem as manhas das fronteiras”, diz Rossatto. “Tive reuniões com autoridades de imigração e segurança do governo dos EUA e eles disseram que, em Yuma, a fronteira é controlada por cartéis de drogas do México. Ali há risco de levar tiro.”

Convidado pelo governo americano para inspecionar centros de detenção em El Paso, Rossatto explica que a cidade ainda é ponto de concentração de brasileiros, inclusive apreendidos nos outros estados. Arizona e Califórnia, por exemplo, ainda não têm estrutura para dar conta do volume de pessoas que têm chegado nos últimos meses. Há duas semanas, dois locais de El Paso abrigavam ao menos 248 brasileiros —todos parte de famílias que entram nos EUA no chamado cai-cai, esquema em que as pessoas se entregam à imigração e pedem asilo, o mesmo usado por Lucas. O aumento exponencial de imigrantes detidos na fronteira americana, porém, está longe de ser só do Brasil. Após uma redução drástica nos índices por causa da pandemia e das políticas agressivas do governo Donald Trump, o número de pessoas que tentam chegar aos EUA disparou desde a posse de Joe Biden, em janeiro. // Folha Online.

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