Um churrasco para o Soberano

Nada mais prazeroso do que saborear um delicioso churrasco, ainda mais quando a aparência enche da água a boca do sujeito. Faz-se qualquer coisa para tornar em realidade verdadeira as imagens vistas e revistas no Face, Instagram, Zap ou na galeria das fotos dos amigos, amigas ou qualquer cidadão que se vive de postar fotos de comidas doces e salgadas. Bom, o caso de hoje se passou com o líder supremo da Terra da Palmeira. Como se sabe, o Soberano do Alviverde é da tribo dos que usam chapéu, criam gado e outras espécies e comem carne. Logo, um naco suculento de carne assada não passaria despercebido pelas narinas, olhos e ouvidos do Protetor das Dez Pedras Místicas do Círculo Descirculado da Jonas Ferreti. E foi por causa desse faro refinado pelos longos anos de tratamento das picanhas e alcatras, dos filés e pernis, do toucinho e da linguiça defumada na fumaça do fogão a lenha que o Soberano percebeu o brilho como brasa nos olhos de um seu chofer que, enfeitiçado, mirava a tela do celular. O Soberano do Alviverde sentiu-lhe o calor das churrasqueiras aromáticas como um altar a ofertar o sacrifício das ambrosias agradáveis e saborosas de se fazer manifestar vivo qualquer ser vivente morto.
          Então, mansamente, o Soberano aproximou-se do chofer e viu com seus olhos o que ele via com os dele: Um belo de um leitão assado, enfeitado de todos lados com folhas, legumes e molhos secos e molhados. Imediatamente o estomago soberano cantou algumas notas de barítono, solicitando aquela maravilha dos deuses. E aí se vai a narrativa do desenrolar dos fatos:

          "- Diz aí, homem que conduz o meu corcel,
          Não será a mão que guia meu volante
          Quem fez deste leitão uma iguaria do céu
          De bronzeados saborosos e lombos crocantes
          Para o qual eu tiro o meu Chapéu".

          O chofer, diante de tanta fascinação real
          pela foto do porco assado em seu celular,
         disse bem pausado, muito profissional:
         "De fato, isso é coisa para se apreciar
          Comida assim pra mim é normal
          Oh, Soberano, se não sabes, então saberás

          Ah, pois meu senhor das Terras de Aquém,
           que aqui tens um bom criado
          que sabendo dirigir bem
          também é perito em porc'assado
          Leitão como este aqui tem
          Já assei muitos de olho fechado."

          Impressionado com tanta convicção,
          Soberano creu na competência
          incumbindo ao chofer uma missão
          para assar um porco de aparência
          ao que encantara a imaginação
          da cabeça de sua excelência.

         E lá se foi o chofer real
         a campear na Terra da Palmeira
         um porco taludo, sem igual
        para arder na soberana braseira
        e fazer um churrasco do qual
        o Soberano se lembrasse a vida inteira.
       
          A Terra da Palmeira
          é, de fato, mui abençoada,
          pois num estalar de dedos
          a vítima foi encontrada
          e pelo chofer churrasqueiro
         já foi logo sacrificada.

          Para que a empreitada corresse bem
         o Soberano quis agradar o chofer
         e determinou que o ajudasse alguém
         para que o assado fosse em bom pé
        e que o banquete saísse rápido também
        já que queria surpreender sua mulher.

          Dizem que o assado divinal
          na chácara real foi sendo preparado
          e o chofer, com pompa profissional
         como um master chef concentrado
         ia metendo em tudo pimenta e sal
         sob protestos do ajudante acanhado.

          Lá a uma certa altura da labuta
          o chofer sentiu a boca ressequida
         não sede de água comum dos mortais
          mas uma sede especial, preferida
        "Meu Soberano, tenho sede demais
         manda-me, vos peço, uma bebida."

         "Meu filho, aí tendes água,
         Muita água, se não me engano
         pois não deixo padecer de sede
         os animais do meu rebanho"
        Foi a resposta respondida
         pelo de cá do Soberano.

         "Se não sabes, então saberás
         que não é dessa água que vos falo
         se me a mandas ela me inspirará
         da água que se toma no gargalo
         sua bondade não me a negará
         Não se faça de rogado."

De um jeito ou de outro
do chofer o estranho pedido
foi pelo soberano da Terra palmeirinda
analisado e atendido
E o serviço na churrasqueira
mais animado foi prosseguido.

          E o leitão no alumínio virou noite
          No braseiro da caliente jornada
          Diz-se que até o caseiro
          Foi requerido para a empreitada
          Passando a noite em claro
          Enquanto a encomenda era virada.

Três dias depois, bem cedo
Veio o soberano e a comitiva
Já coçando os dedos nervosos
Para beliscar a cobiçada comida
Já sentindo na carne e beiços
A satisfação mundana arrefecida.

          Mas qual não foi o desapontamento
          Da trupe ali reunida
          Quando se deu o desenrolamento
           Da rechonchuda iguaria
          Pois que mais rápida que o vento
          A banha criou própria vida

A banha ao fugir do tal assado
Caiu nas brasas em fogo
E um fogaréu subiu animado
Assustando a todo o povo
Pensando que havia chegado
O fim do mundo de novo.

          Desfizeram da capa gordurosa
          Para evitar nova explosão
          Jogando-a no meio do terreiro
          Sucedeu outra confusão
         Um peru bicou no rejeito
         E a coisa embolou com ele então.

Morrendo sufocado naquilo
Lembrou se ainda o pobre peru
Antes de dar seu último suspiro
Murmurou um fanhoso glu glu
Com recado ao cozinheiro metido:
"Chofer, glu glu, vai tomar no copo."

          O Soberano assustado
          Com toda aquela arrumação
          Perguntou ao chofer enrolado
          "Que foi isso, meu irmão?
          O peru partiu engasgado,
           E o porco virou carvão.

O que você me aprontou,
Qual a explicação pra isto?
O assado do porco torrou
Virou um troço muito esquisito
Outra coisa isso se tornou
Parece mais um urubu frito."

          O chofer conformado falou:
          "Meu senhor, a verdade seja dita
          Foi nos tombo que faltou
          Ou no virar o braseiro a comida
          meus assados foi sonho que passou
          Depois d'eu tomar umas biritas."




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