Crônica Buritisense: Um cidadão na faixa por um fio



Hoje prometi a mim mesmo um dia de paz e tranqüilidade. Por isso resolvi nao ler os noticiários e fazer uma caminhada introspectiva-reflexiva. Cada um constrói o termo e a expressão que deseja. Moramos em um país onde há um tal de estado democrático do direito. Muito bem.
Aí,  minha mulher deixou e eu saí.
Fui caminhando alegremente sobre isso que chamam de calçada e assoviando um musiquinha qualquer de um cantor qualquer numa manhã  qualquer de um outono comum...
Resolvi atravessar a avenida em segurança, por isso me dirigi orgulhosamente, com o peito estufado, num passo de ganso até a faixa de pedestre. Agora nossa cidade tem faixas de pedestre pintadas em determinados trechos das nossas avenidas (que é bom ressaltar, estão excelentes). Dou o primeiro passo em cima da faixa de pedestre e quase sou atropelado por uma moto que passou zunindo e zumbindo em meus ouvidos.
Vi um vulto, mas não deu para definir que bicho estava montado nela. Engoli meu orgulho, murchei o peito e, num passo de rato acuado, voltei rapidamente para isso que chamam de calçada, com o coração saindo pela boca e tremendo mais do que vara verde.
Fiquei parado à beira da via, como um cão perdido da mudança, observando o vaivém dos veículos, à espera de um milagre. Passa um, passa outro e nada de alguém ter misericórdia e dá uma trégua no tráfego para esse mísero pedestre mortal atravessar a rua.   
Então o milagre veio. Pois um motorista, no meio da multidão, teve pena de mim e parou, dando sinal de que eu podia atravessar em segurança... Entretanto, antes que eu esboçasse qualquer reação, veio um motociclista e bateu na traseira do carro e caiu.
O motorista, que parara para eu passar, abriu a porta do carro e desceu gritando um monte de impropérios para todos os pontos cardeais e foi observar as avarias que o motoqueiro lhe fizera na traseira do automóvel. E quase foi também atropelado por outro carro que vinha atrás da moto. Ainda bem que se espremeu junto ao automóvel dele e o outro passou tirando “fininha” e levando a porta do carro que ele deixara aberta.
 Eu fiquei ali sem saber se atravessava ou não atravessava na faixa. Achei mais seguro retornar para a calçada, mas descobri, quase que com a própria vida, que ela não era mais tão segura assim, pois um carro que vinha logo atrás do carro que estava atrás da moto (vai entendendo) invadiu a calçada para se desviar da moto, motoqueiro e motorista brabo, quase me atingindo.
Numa reação natural instintiva de sobrevivência animal, me atirei por sobre o carro sem porta do motorista brabo, dali dei um salto mortal e aterrissei sobre o canteiro central, então dei uma voadeira por cima dos veículos da outra pista e, num salto duplo carpado, completei a travessia da avenida, saindo do outro lado cantando o hino da vitória.

 Aqui não, Faraó! Aqui tem faixa preta de pedestre!

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