Não colo, só copio
Se eu já colei na prova? Na minha, na prova dos meus amigos, inimigos, na da professora. Fazer o quê quando não se sabe nada. E na minha época escolar prova era “a prova”. Não tinha facilidades não. Dia de prova era o terror. Íamos para a escola apenas com o lápis e a borracha. E uniforme também.
Depois que entrávamos na sala, todos em
fila indiana, sem arrastar os pés, um ritual religioso e solene se seguia.
Sentávamos cada um em seu lugar sem dar um pio. Qualquer ruído poderia acionar
a granada da paciência da professora e ela poderia tomar aquilo como uma
afronta digna de uma correção: Suspensão da prova. E isso ninguém queria. Nem
que fosse pra tirar um zero, queríamos estar ali. Depois, a professora dava uma
boa espiada na gurizada e, se cismasse com alguma irregularidade, fazia com que
todo mundo trocasse de lugar com os colegas. Depois olhava as mãos de um por
um, bolsos dos calções, saias e bermudas. Tinha vez que até barriga da molecada
espiava. Como ela dizia:
-“Conhecimento é pra estar na cabeça,
não na barriga ou dedos... ou pernas”. - O ruim é que na cabeça não favorecia o
dono do conhecimento. E depois, o que costumavam perambular nela eram os
piolhos.
Se
alguém era pego com cola, a esperança de tirar nota boa ou ruim já morria ali
mesmo. Não havia misericórdia. Era enviado diretamente para a sala da diretora,
onde deveria se explicar porque tentara se desleal consigo mesmo. Mesmo que
para muitos nós a prova não era uma questão de lealdade própria e sim, de
salvar o lombo em casa. Depois nem entendíamos muitas daquelas palavras que a
diretora e a supervisora diziam. Incompetência, desleixo, medíocre, racional,
reprovado... Opa, reprovado, entendíamos. Pedidos de perdão eram feitos.
Desculpa, dona diretora... Às vezes ela permitia o retorno para a sala, mas não
tinha nada que fizesse com que o culpado conseguisse se redimir com a prova
tirando nota boa. Predestinado ao fracasso ali.
Então, a professora depois de saciada
sua sede de inquisição pedagógica, passava fileira por fileira de carteira
distribuindo as provas, que eram viradas pelo verso para não tomarmos
conhecimento do conteúdo antes dela ter distribuído por todos os alunos. A
única coisa apreciada nesse momento era o cheirinho gostoso do álcool impregnando
da tinta do estêncil na folha de sulfite. Alguns alunos até se debruçavam sobre a folha
para aspirar toda aquela fragrância etílica e não perder um tiquinho que fosse
daquela ambrosia. Acho que era por causa
disso que depois ficavam meio aluados olhando a prova como querendo saber que
raios aquilo estava fazendo ali.
Então a professora se dirigia
imponentemente à frente da classe e declarava o início do suplício da maioria
ali, terminando com um sarcástico “Boa Sorte” no final da fala. Nessa hora, o
cérebro de alguns parecia fica off ou hibernando. Principalmente o do pessoal
entorpecido pelo cheirinho gostoso do álcool + estêncil + sulfite.
A turma fazia um silêncio sepulcral. Não
tão sepulcral assim, porque quando começávamos a ler a prova, aqui e ali
começava a serem ouvidos os soluços dos que nada sabiam e das estaladinhas
felizes dos que tudo sabiam. Daí a pouco era só o rich-risch dos lápis na
prova, o esfresh-esfresh da borracha arrancando a caraca do papel. Nesse
momento, três grupos de alunos emergiam dentre a pirralhada: o grupo dos
sabetudo, dos sabe-mais-ou-menos e o grupo dos sabenada.
Os sabetudo tiravam notas de nove a dez.
Suas avaliações vinham sempre com recadinhos de estímulos e elogios das
professoras. Algumas eram tomadas como exemplo e exibidas pela professora.
Exemplo a ser seguido. Os sabe-mais-ou-menos ficavam com as notas entre sete e
oito-vírgula-nove. Dificilmente recebiam alguma mensagem das professoras. Suas
provas não eram exibidas. Os sabe-mais-ou-menos eram os que obtinha notas
iguais ou menores que seis-vígula-nove. Naquela época a média era seis. Nas
provas destes não vinham recadinhos, mas advertências. As provas de alguns
destes eram também exibidas como exemplo. Exemplo a não ser seguido de jeito
nenhum.
Dependendo da disciplina, eu oscilava
entre um grupo e outro, os dois últimos. Quando eu estava no grupo dos
sabetudo, era só alegria. Esfregava as mãos de tanto contentamento. Resolvia a
prova com a destreza de um expert. Aí
era só sair para o abraço. Esperava os colegas no lado de fora para comentar o
“mamão com açúcar” do teste. Àqueles que reclamavam dizendo que as questões
estavam muito difíceis, dizia:
- O quê? Uma provinha igual aquela até
os meninos do Pré acertavam tudo!
Mas quando não sabia nada, vixe... Ô
sofrimento, sô. Não queria passar uma imagem de “tá difícil” e por causa disso
ficava remoendo questão por questão, à espera de um milagre. Talvez desse um
estalo na mente e todas as respostas fossem sendo reveladas. Ou espera ser
possuído por uma força sobrenatural de conhecimento que tomasse a minha mão com
o lápis e fosse respondendo por mim cada questão. Fazia orações, promessas,
votos, confissões. Mas nada acontecia. A folha cheirosa perdia todo o encanto.
Quem sabe de repente a professora cancelasse a prova...
Quando percebia que nada disso
aconteceria, o negócio era apelar mesmo. Procurava então, sorrateiramente,
sentar-me próximo de alguém que eu imaginava ser dos “sabetudo”. Aperreava-o,
suplicava-lhe, ameaçava para que me desse cola. Algumas vezes dava certo,
muitas vezes dava errado. Dava errado porque a professora com seu olhar clínico
geral logo identificava nossa manobra e, principalmente, a razão dela. Dava
errado porque o colega que se imaginava ser o sabetudo não era lá aquele
sabetudo de rocha. Ou então para se livrar da gente e nos tirar qualquer
esperança de futuras novas colas, mandava as respostas todas erradas.
Raramente usava o artifício da ameaça.
Primeiro porque eu apanhava de todo mundo que peitasse na escola. Mesmo das
meninas. Segundo, que se batesse em alguém na escola (o que eu já frisei e que,
praticamente, seria um milagre) quando chegasse em casa levaria uma peia da
mamãe (se apanhasse na escola também). Sendo assim, minhas ameaças eram mais
por força de expressão ou medo do zero no boletim, outra coisa que me garantiria
umas boas lapadas em casa.
Triste mesmo era quando a prova estava
um “mamão com açúcar”. A gente completava tudo rapidinho e, ao comentar com os
outros colegas lá fora, nenhum deles tinha acertado as questões da prova. Mas
quando as professoras devolviam nossas avaliações corrigidas é que percebíamos
quem é que não tinha acertado nada: a gente. Dói, nem.
Dizem que aluno que cola não sai da
escola. Discordo. Isso é desculpinha para desestimular na gente essa atividade
tão antiga quanto a arte de ensinar. Quem cola sai da escola, sim. Ainda mais
com o sistema de avaliação atual.
Quem cola sai da escola. Mesmo que não
sabendo nada e despreparado para competir intelectualmente com qualquer criança
do ensino fundamental.
Hoje não colo mais. Só copio.
Da arte da cola na escola de ontem pra
hoje, o que muda são apenas as ferramentas. As intenções continuam sendo as
mesmas.
Para finalizar, neste artigo usei mil e
duzentas palavras, segundo o word.
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