Malas e Bolsas


            O ônibus saía às 15 horas. Não podia perder o horário. Às quatorze horas o menino e a sua família lá estavam em um dia qualquer de junho de 96. Sol quente, um movimento tremendo de passageiros e cargas. Gritos de taxistas por passageiros, grito de passageiros por lotação, choro de crianças e motores se fundiam  ao zum zum das conversas animadas dos viajantes.
Um cheiro de salgados fritos em gordura envelhecida e fumaça de cigarros impregnavam o ar provocando caretas e náuseas nos estômagos doentes e mesmos os mais fortes não resistiam tamanha combinação olfativa. Do outro lado, já fora do perímetro da rodoviária, enxames de abelhas e moscas incomodavam e se acomodavam nos bagaços de cana da garapeira. Garapa geladinha com pastel dizem alguns que é uma delícia, além disso, conta o conselho dos mais velhos, põe a malária para fora de quem a tem. Não sei como.
 Engraxates sujos e abatidos com suas caixas publicitárias de políticos e comércios abordavam pares de sapatos desbotados e maus cuidados. Aos resistentes, insistiam. Uns trocados entre tantos era uma grande façanha.
O calor aumentava e a turba também. O menino observava, sentado encolhido no banco, as malas e bolsas, sacos e sacolas e caixas e caixotes.  As coisas ali tinham um sentido diferente. O que eram as malas guardadas nos armários em casa? E as bolsas? Trecos sem serventia ocupadores de espaço. Na rodoviária recebiam personalidade, se tornavam importantes, eram o próprio viajante. Carregavam segredos, intimidades, coisas que o menino nunca saberia. Elas vinham dos quatro pontos e dali partiam para todos os pontos. Cruzavam-se num silêncio arrastado pelo movimento das pernas e rodas. Iam-se.
O ônibus chegou. Logo um tumulto iniciou na porta dele. Todos querendo entrar ao mesmo tempo para pegar os melhores lugares. Dentro de um ônibus lotado os melhores lugares são as primeiras poltronas e à janela. As pessoas se apertavam, se empurravam, se comprimiam e oprimiam. Nessa ânsia não haviam velhos, damas, grávidas e nem deficientes. Todos eram tudo por tudo. O menino ainda não entendia, por isso foi um dos últimos a embarcar. E foi espremido entre um carioca animado com as lavouras de café e as altas castanheiras que viajou para Buritis.
Dentro do ônibus, uma profusão de odores das mais variadas nuances ia do ácido das sudoreses individuais ao adocicado das frutas nas sacolas. Além disso, tinha o cheiro dilacerante dos cigarros e do álcool transpirado, inebriante... Talvez por isso o menino adormeceu e não viu as matas e riachos singrando os pastos, não contemplou as verdejantes lavouras de café... Nem mesmo quando o ônibus atravessou as duas pontes de madeira do Candeia.

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